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With over 600 unpublished texts,
the collection gathers the complete
work of Luiz Gama

After nearly two centuries of his
original publications, unpublished texts by the abolitionist lawyer revolutioniz image
and trajectory of the father of Brazilian abolitionism


Poet, lawyer and abolitionist, Luiz Gama was one of the most
highlighted figures of his time. Contradicting to its importance, his work remained practically unknown until the moment, he was known only for his famous Primeiras trovas burlescas and a few scattered newspaper articles. To fill this historical gap, the publisher hedra launches his complete works, in a set of more than seven hundred and fifty texts that unveil the various spheres in which Gama acted, always with the satirical pen in hand that did it collect enmities and ailments throughout life.

Cerca de 80% dos textos ainda são desconhecidos do público, totalizando uma média de 600 escritos. Talvez a estrutura racializada da sociedade brasileira, que excluiu do cânone importantes autores e autoras negros, seja uma das explicações para essa ausência. Outra explicação pode estar na diversidade de pseudônimos que Gama utilizava para assinar seus textos, afora os sem nenhuma assinatura --- algo em torno de 50% dos inéditos. Tendo em perspectiva que, em 1870, o autor advogava pela libertação de 217 escravizados em um único processo, é de se imaginar as ameaças que recebia e a quantidade de animosidades entre os senhores escravistas que mobilizava, levando-o a disfarçar a autoria de seus escritos.

Afora as diversas denúncias e críticas que tecia a personalidades políticas proeminentes. Juízes que, por decisão própria, intensificavam as torturas a escravizados fugitivos, políticos que assassinavam-nos por prazer, senhores da lei que distorciam a Constituição para satisfazer os interesses da elite econômica --- são essas as personalidades que Gama atacava e que levaram-no a ser destratado e ameaçado de morte em diversas situações. Mesmo o celebrado escritor José de Alencar, quando foi ministro da Justiça, publicou nota elogiando a demissão de Gama do cargo de amanuense da Secretaria de Polícia, alegando que o advogado era uma ameaça à ordem pública. Aquela ordem, efetivamente, estava sendo atacada e desmoralizada pelo advogado: nem D. Pedro II escapou às suas ameaças, sendo relembrado por Gama, em carta pública, que a cabeça dos reis são decapitadas quando não seguem os interesses da população.

O pesquisador Bruno Rodrigues de Lima, doutorando em História do Direito pela Universidade de Frankfurt, pesquisou por nove anos esses textos inéditos em arquivos da imprensa e do judiciário paulista, fluminense, gaúcho, paranaense, mineiro e baiano. O estilo característico de Gama, um repertório de metáforas comuns e pouco usuais à época, comparações de ocorrências lexicais e o cruzamento de assuntos e casos jurídicos em textos e correspondências anteriores de Gama foram alguns dos fatores que permitiram a definição da autoria de textos assinados por Bandarra, Cabrião, Barrabraz ou Spartacus, para ficar em alguns poucos pseudônimos empregados por Gama.

Outra descoberta reveladora do pesquisador foram os textos publicados no pouco conhecido Democracia, jornal que circulou entre dezembro de 1867 e julho de 1868. Espécie de sucessor do Cabrião, a famosa publicação satírica de Angelo Agostino, o Democracia tinha Gama como um dos chefes de redação. Tal era a intimidade com os meandros da redação que, em 1881, Gama enviava um documento privado de José Bonifácio a um jornalista do Almanaque literário de São Paulo, documento que aparecera em 1868 no Democracia, sob a assinatura de Cincinatus --- provavelmente atribuída pelo próprio Gama ao amigo José Bonifácio. Em condições precárias, o Democraciaconservou uma grande quantidade de inéditos do advogado, que então deixava muitos artigos sem assinatura, ou com as rubricas de Ultor, Democrata ou Afro.

O uso de pseudônimos se referia também ao próprio movimento satírico e humorístico do texto de Gama. Em peças jurídicas que, muitas vezes, atingiam as tintas dramáticas e trágicas de peças teatrais, ele usava pseudônimos que referenciavam diretamente o universo teatral de então. É o caso do estranho Thadeu de Kikiriki, ecoando possivelmente a paródia Orfeu na roça, de Francisco Correa Vasques. Em todo caso, é delicado e difícil pensar em autorias na imprensa nacional da segunda metade do século XIX. “Num mundo de nomes, pseudônimos, conflitos, assuntos e interesses partidários difíceis de se compreender e caracterizar”, alerta o organizador, cabe ao leitor redobrar a atenção às relações e vínculos tecidos pelaRelease borbulhante mente de Luiz Gama. Borbulhante tal o fogo da liberdade, nas eloquentes palavras do poeta: “Em nós até a cor é um defeito, um vício imperdoável de origem, o estigma de um crime; e vão ao ponto de esquecer que esta cor é a origem da riqueza de milhares de salteadores, que nos insultam; que esta cor convencional da escravidão, como supõem os especuladores, à semelhança da terra, através da escura superfície, encerra vulcões, onde arde o fogo sagrado da liberdade”.

Para ajudar o leitor a adentrar nesse imbricado universo de referências mitológicas, jurídicas e de personalidades da Gama, as edições das coleção contam com um rico aparato crítico composto por índices remissivos, milhares de notas explicativas e pequenos resumos para cada seção temática e texto do autor. A partir do primeiro volume, que se inicia com a conhecida poesia de Gama, até o volume com seus textos finais, traça-se um panorama da vida de Gama que, ao mesmo tempo, não deixa de ser a própria gênese e desenvolvimento do movimento negro e abolicionista no país. É patente como o autor, que iniciara a carreira literária na poesia, inclina-se progressivamente ao direito e à defesa de causas de liberdade, sem deixar de empregar em seus textos, por toda a vida, o rico repertório metafórico e satírico que o deixaram conhecido desde a publicação um poema como “Quem sou eu?”. Nesse panorama, percebe-se como Gama foi elaborando e construindo sua ação política através da imprensa, tendo sempre a opinião pública como uma aliada contra tribunais tão hostis à causa abolicionista. Ao final da vida, o advogado formara gerações inteiras de militantes e políticos contra a escravidão. Num dos últimos textos do volume Democracia, o velho Gama escrevia aos discípulos para que, com o dinheiro que intentavam gastar para homenagear o mestre com um retrato, libertassem um escravizado cuja história Gama vinha acompanhando. Até o último momento, o homem não se divisou da grande obra que construía para o Brasil e de um projeto de nação justa, igualitária e livre.